sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Gaffes, crónica de Vasco Pulido Valente.










Vasco Pulido Valente tem dias, e quando escreveu a crónica “Gaffes”, no Público de hoje 21/11, estava num dia bom, muito bom.

Aqui, nas formigas, tentámos chamar a atenção, em vários posts, para o contraste entre a imagem de política séria, competente e responsável, que a comunicação social elogiava na Primavera: a Dr.ª Manuela Ferreira Leite; e a sua outra face conservadora, autoritária, e menos democrática: a Dona Manuela.

O que VPV diz de MFL, aplica-se a muitos outros políticos, e tem, infelizmente, numerosos adeptos em vários eleitorados. E nem é preciso recuar aos tempos da Monarquia: “democracia suspensa”, em maior ou menor grau, é hoje o modo de funcionamento normal de muitas autarquias portuguesas.

Aqui temos então as Gaffes de VPV:

Se a dr.ª Manuela Ferreira Leite estava, ou não, a tentar ser irónica não interessa nada ou muito pouco. A ideia de uma ditadura provisória para resolver, fácil e expeditivamente, problemas que não se conseguem resolver de outra maneira não é uma ideia nova. Vem da velha Monarquia Constitucional. Quando um governo ficava imobilizado pelo excesso de virulência da oposição (no parlamento, na imprensa ou na rua), o rei mandava os deputados para casa - sem tocar, em princípio, na liberdade de imprensa ou de reunião - e o governo fazia em sossego o seu serviço, suspendendo um jornal aqui e ali ou proibindo as manifestações que lhe pareciam mais perigosas. No fim voltava tudo ao mesmo. O rei convocava o parlamento (em geral fabricado para a ocasião) e o parlamento passava, à inglesa, um "bill de indemnidade" ao governo. Este exercício era conhecido pelo nome de "ditadura administrativa" e deu uma grande contribuição para a queda da Monarquia.

As gaffes da dr.ª Manuela Ferreira Leite (com ou sem "ironia") revelam uma tendência especial para a "ditadura administrativa". Educada politicamente no espírito autoritário do "cavaquismo", e boa discípula do mestre, sofre com irritação os vexames da democracia. Os jornais não publicam o que ela quer, os professores resistem à ministra e até a lei "transforma o polícia em palhaço": Portugal inteiro parece incontrolável. Pensando não só em Sócrates, Manuela Ferreira Leite começou a ver as dificuldades de reformar o país com as restrições que existem. Como, de facto, reformar a justiça sem os juízes? Como reformar a saúde sem os médicos? No fundo do seu coração, Manuela Ferreira Leite não sabe. Sabe apenas que não há reformas sem eles, nem com eles.

A "ironia" não foi uma ironia. Foi um desabafo: se a deixassem a ela e às pessoas como ela (com inteligência, visão e capacidade) mandar a sério, bastavam seis meses para pôr as coisas "na ordem". Mas daí a pedir, ou a sugerir, uma ditadura vai um abismo. Infelizmente, é com declarações destas que se chega pouco a pouco ao descrédito da democracia. A imagem da democracia como um reino de interesses particulares, que impedem o progresso e anulam a razão, embora antiga, não perdeu ainda a sua eficácia. E, com os desastres que se preparam, não precisa de ajuda para dissolver os restos de respeito pelo regime.


A saga da Dona Manuela: aqui, aqui, aqui, e aqui.

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