segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A Constituição da República e as outras “constituições”, e onde é que Cavaco Silva andou mal na questão da promulgação do Estatuto dos Açores.











Para além da Constituição escrita, aprovada por maioria de 2/3 dos deputados, que serve de base às decisões do Tribunal Constitucional, existem por aí um rol de “constituições” ao sabor de interesses, ocasiões, ou da simples e prosaica ignorância nestas coisas de que a maioria partilhamos.

Mas vamos a exemplos, e como este vai ser um ano de eleições, comecemos pelas eleições legislativas. A Constituição diz que se trata de eleger deputados para a AR, mas para alguns políticos, comunicação social, e na prática para uma boa parte dos eleitores, estas eleições estão cada vez mais transformadas em eleições para 1ª Ministro. Lembram-se dos comentários, análises, e opiniões que punham em causa a nomeação de Santana Lopes, porque quem os portugueses tinham eleito para 1º Ministro era Durão Barroso?

Também, pelo menos desde a primeira eleição de Mário Soares para PR, os ocupantes de Belém se consideram, e muitos de nós concordam, Presidentes de todos os Portugueses. Conceito completamente alheio ao próprio regime republicano em que vivemos. Na monarquia sim, todos os Portugueses eram súbditos do Rei, que era Rei de todos os Portugueses. Agora somos cidadãos livres, não sujeitos à soberania de ninguém. Cidadãos que elegem um Presidente da República, ou seja do estado republicano, e não propriamente dos Portugueses.

Quanto à questão do Estatuto dos Açores, e no que se refere aos dois artigos em causa, parece não haver grandes dúvidas de que não se deve alterar por lei, poderes do Presidente consignados na Constituição.

Mas de acordo com a Constituição, o órgão competente para apreciar a constitucionalidade das leis é o Tribunal Constitucional. É Cavaco Silva que está a desrespeitar a Constituição ao considerar que tem a legitimidade para considerar o que é ou não constitucional. O seu poder é de, em relação a aspectos em que tenha dúvidas, solicitar ao Tribunal Constitucional que decida sobre a constitucionalidade das leis. Foi Cavaco Silva que de forma inábil e arrogante se tentou colocar acima do Tribunal Constitucional, pensando que, com a sua “influência” e mais umas manobras populistas, resolvia aquilo que, de acordo a sua opinião, é uma grave inconstitucionalidade. Se tivesse resultado, aí tínhamos outra “revisão constitucional de facto”, transferindo na prática, para o Presidente, poderes que de todo não lhe pertencem.

Mais uma vez, achamos nós, Cavaco Silva demonstra uma grande incapacidade de interpretar os poderes que cabem ao Presidente da República. Como aliás volta a fazer no discurso de Ano Novo, onde claramente se intromete por áreas que são da competência do Governo e da Assembleia da República.

5 comentários:

F. Penim Redondo disse...

Lamento mas não concordo. Como aliás a generalidade dos constitucionalistas.

Anónimo disse...

Não tem que lamentar por não concordar. As discordâncias são, potencialmente, mais interessantes que as concordâncias. Podem trazer factos novos ou angulos de análise que não foram considerados.
E a propósito agradeço, se for possível, links ou referencias, para os constitucionalistas que falaram sobre isto. Vi umas coisas interessantes nos blogs Geração 60 e da Sedes, para além do Vital Moreira, na Causa Nossa, mas são todos análises fundamentalmente políticas.
Cumprimentos,
Eduardo Lapa

J.M.P.O disse...

Não concordo com grande parte do texto. (O comentário ficou grande e confuso mas estou sem tempo, desculpe).

Quanto ao problema das eleições para primeiro ministro, é verdade que as eleições são para a AR e que o Governo é nomeado pelo PR, contudo há que ter em atenção um certo costume que fez com que as coisas sejam interpretadas conforme são. (A propósito sobre isto pode ver Paulo Otero - Legalidade e Administração Pública e/ou O poder de substituição (o primeiro da Almedina e o segundo da Lex)).

Discordo da segunda parte do post. Sabendo, como parece saber, um pouco de direito constitucional e tendo lido essa brilhante anotação dos professores Canotilho e Vital Moreira que tem na imagem (ainda que a organização do poder politico deva ser consultada na edição de 1993 pois penso que ainda não saiu o segundo volume) deve ter percebido que há, na CRP, dois tipos de veto: o veto político e o veto jurídico. O veto jurídico será aquele que o PR utilizará após a pronúncia do TC pela inconstitucionalidade (este é obrigatório). O veto político é um veto livre que pode ter qualquer fundamento seja ele político ou jurídico. Pode por isso o PR vetar politicamente afirmando a convicção de que determinadas normas do decreto da assembleia da república (só após ser promulgado é que um decreto da AR se torna Lei, os nomes que o mesmo acto legislativo pode ter são estudados em todos os manuais de Direito Constitucional) são inconstitucionais sem que tenha de enviar o dito ao TC.

Mais ainda, o PR pode vetar politicamente um decreto que tenha sido julgado não inconstitucional pelo TC (como sabe, por cá, não há juízos de constitucionalidade). Nada impede que, neste caso, use o veto político com fundamento jurídico.

Quanto à bibliografia tenho muito prazer em dar-lha: Gomes Canotilho - Direito Constitucional e Teoria da Constituição e a CRP anotada em co-autoria com Vital Moreira; Paulo Otero, para além daqueles dois tem Instituições políticas e constitucionais e organizou um comentário à constituição (Sobre esse tema pode ver o volume 3) (Almedina). Há o Professor Jorge Miranda com os seus 7 volumes do manual de Direito Constitucional e os três da CRP anotada em co-autoria com Rui Medeiros. O professor Carlos Blanco de Morais Que agora tem um manual de deito constitucional e tem um livro sobre o tema do veto e da fiscalização da constitucionalidade em particular que se chama Justiça Constitucional (2 Volumes Coimbra Editora). Marcello Caetano também tem umas coisas mas são, obviamente, anteriores à revisão de 82. Aqui tem a bibliografia mínima e básica para uma curta introdução ao problema (indispensável para fazer a cadeira de constitucional numa universidade como Coimbra ou a Clássica de Lisboa), para maiores aprofundamentos de temas concretos esses manuais têm indicada bibliografia específica.

Já agora, se não fosse o “costume constitucional” esse seu “respeito pela constituição” faria com que fossemos um estado Comunista.

Anónimo disse...

Mas eu concordo com muito do que diz.
O post é feito dum ponto de vista político, e ao pretende-lo curto corri o risco de ser pouco explícito.

Claro que o PR tem à sua disposição o veto político, que usou, mas que não garante, como não garantiu, a não promulgação da lei.
Claro que o PR tem toda a legitimidade de ter preferido usar o veto politico, em vez de ter remetido a lei para o TC. O que critico é que essa opção foi ineficaz, o que era previsível, e acabou por criar um confronto político que não me parece aproveitar a ninguém, sobretudo ao PR.

Não perçebo o seu ultimo parágrafo. Costume constitucional será aquilo que existe em Inglaterra, que não tem própriamente uma Constituição? Ou refere-se à possibilidade da Constituição ser revista? E o que é que o meu respeito pela CRP tem a ver com o estado Comunista?

Embora ache que a Constituição deva ter alguma estabilidade, o que defendo, e que concordo não esteja explícito no post, é que a revisão se deve fazer em sede própria, de acordo com o estabelecido na própria CRP. E acho natural que as interpretações que - cidadãos, politicos, analistas, etc - vamos fazendo da CRP, venham a influenciar a revisão. Que algumas das "constituições" acabem por ser incorporadas na CRP. Mas depois de discutidas e aprovadas em sede própria.

J.M.P.O disse...

Em primeiro lugar gostaria de pedir desculpa pois fui um pouco violento na crítica.
Esta volta a ser comprida e assaz confusa/imprecisa mas as horas dormidas são poucas e o trabalho não acaba.
Acho que em termos políticos a “jogada” do PR não foi assim tão descabida ou má. Se não veja (estou a falar de forma genérica sem conhecimento de causa, não conheço os artigos em causa e a autonomia regional é um tema que não me agrada muito) tendo o PR dúvidas sobre a inclinação do TC nesta matéria e pensando que muito provavelmente o TC acha a norma não inconstitucional (lembre-se que os juízes e os professores/juristas dos gabinetes jurídicos da PR tomam café juntos e conhecem/lêem as opiniões uns dos outros e até trabalham juntos nas mesmas instituições de ensino universitário) o que politicamente parece mais seguro para o PR é não enviar o diploma e vetar politicamente com fundamento jurídico. Suponha que o decreto vai para o TC e é declarado não inconstitucional, politicamente é mais complicado para o PR vetar por motivos jurídicos (por violação dos checks and balances da CRP) mas caso não vete vai ter de cumprir a norma, com a qual não concorda e que não poderá mais contestar. O confronto político é só show off, não me parece que haja confronto algum mas apenas um tema para vender papel.
Quando eu falava em costume constitucional estava a referir-me à constituição material ou, na expressão de Paulo Otero, Constituição não oficial, isto é (tentando exprimir a ideia de um autor que não leio há muito tempo): o conjunto de normas materialmente constitucionais que, não estando escritas na CRP, vinculam os órgãos constitucionais do Estado. Essa regra da escolha do Gov. de entre o grupo parlamentar que venceu as eleições fará parte desta constituição material (v. g.).
Não sei qual é a sua formação. Se for jurista as próximas palavras serão inúteis.
Se passar algum tempo a trabalhar sobre o texto constitucional (principalmente sobre o texto originário da CRP) verá que o texto é confuso, contraditório, desafia o intérprete e obriga-o a reforçar os seus conhecimentos jus-filosóficos. O texto constitucional, não só o português, não é tão denso como se possa pensar por isso aquilo que pode parecer uma “fraude” ou uma “revisão constitucional” pode ser apenas uma interpretação da lei perfeitamente legítima.
O texto da Constituição não chega para desenhar linhas de apoio na interpretação das leis porque ela própria está sujeita a uma Metanarrativa (expressão de Canotilho). Há um texto do Prof. Castanheira Neves sobre a crise da filosofia do direito (salvo erro publicado pela Coimbra editora na série “STVDIA IVRIDICA”) onde o Autor criticando algumas posições de Rawls nota que a constituição tem de ter como prévias linhas normativas para proceder à sua interpretação.
Quanto à sua interpretação. Eu critiquei-o e usei aquela expressão do “respeito pela CRP” por um motivo. Pareceu-me que estava a usar uma teoria da interpretação próxima do positivismo Kelseniano. Essa teoria a ser aplicada sem mais à interpretação constitucional faria com que tivéssemos de atribuir um valor jurídico vinculante à totalidade do texto da CRP na sua versão originária. Seria obrigatória a transição “Democrática” para uma economia “Socialista” de acordo com as regras expressas na lei constitucional. Penso que, independentemente da sua formação académica de base, conhece as “democracias socialistas”. Espero ter sido minimamente claro o facto de ser comprido é de vocação. :)
Já agra, gostei do post “perplexidades…” .